Monólogo da esposa de um bombeiro de Chernobyl 3  

Posted by Moriel in ,


Hospital de doença radiológica aguda – quatorze dias... Em quatorze dias, uma pessoa morre...

No hospital, logo no primeiro dia, mediram-me. As roupas, a bolsa, tudo “queimava”. E na mesma hora tomaram tudo isso de mim. Até mesmo as roupas de baixo. Só não mexeram no dinheiro. E deram, em troca, um roupão de hospital tamanho cinquenta e seis para o meu quarenta e quatro, e chinelos quarenta e três em vez de trinta e sete. As roupas, disseram, nos vamos trazer, ou talvez não, dificilmente poderemos “limpá-la”. Foi desse jeito que apareci na frente dele. Assustou-se: “Nossa, o que houve com você?” E eu ainda assim dava um jeito de fazer caldo para ele. Colocava para ferver em uma garrafa de vidro... Jogava ali pedacinhos de galinha... Bem pequenininhos... Depois alguém me deu a panela, uma auxiliar de limpeza ou administradora do hotel. Alguém, uma tábua, na qual eu picava cheiro verde. De roupão, eu não poderia chegar até a feira, alguém me trazia essas verduras. Mas tudo é inútil, ele já não conseguia nem beber... Engolir um ovo cru... E eu queria arrumar alguma guloseima! Como se isso pudesse ajudar. Corri até o correio: “Meninas, - peço, - eu preciso ligar urgentemente para os meus pais em Ivanovo-Frankovsk. O meu marido está morrendo aqui”. De alguma forma, elas adivinharam de cara de onde sou e quem é meu marido, ligaram no mesmo instante. Meu pai, irmã e irmão voaram para Moscou no mesmo dia. Eles me trouxeram as minhas coisas. Dinheiro.

Nove de maio... Ele sempre me dizia: “Você não imagina como Moscou é bonita! Especialmente no Dia da Vitória, quando há fogos de artifício. Eu quero que você veja”. Estou sentada ao lado dele, abriu os olhos:

  • É dia ou noite?
  • Nove da noite.
  • Abra a janela! Os fogos vão começar!

Eu abro a janela. Oitavo andar, toda a cidade na nossa frente! Um buque de fogo no céu.

  • Que lindo!
  • Eu prometi te mostrar Moscou. Eu prometi que, nas festas, te darei flores a vida inteira...

Me virei – tira de baixo do travesseiro três cravos. Deu dinheiro para a enfermeira e ela comprou.

Aproximei-me e beijo:

  • Meu único! Meu amor!

Começou a resmungar:

  • O que é que os médicos te disseram? Não pode me abraçar! Não pode beijar!

Me proibiam de abraçá-lo. De fazer carinho... Mas eu... Eu o erguia e ajudava a se sentar na cama. Trocava de roupas de cama, media a temperatura, trazia e levava o penico... Limpava... A noite toda, do lado dele. Prestava atenção em cada movimento. Em cada respiração.

Bom não ter acontecido na sala, mas no corredor... Tive tontura, me agarrei no parapeito da janela... Um médico passava, ele me segurou pelo braço. E subitamente:

  • Está grávida?
  • Não! - Tive muito medo de que alguém nos ouvisse.
  • Não minta, - suspirou ele.

Fiquei tão confusa que não tive tempo de pedir nada a ele.

Um dia depois, a responsável pelo setor me chama:

  • Porque você me enganou? - perguntou ela, severamente.
  • Não tinha saída. Se eu falasse a verdade, me mandariam para casa. Sagrada mentira!
  • O que você fez!
  • Mas estou com ele...
  • Minha querida! Minha querida...

Durante a vida toda, estarei grata a Angelina Vassílievna Guskova. A vida toda!

As outras mulheres também vieram, mas já não as deixaram entrar. Comigo, estavam as mães deles: permitiram a elas... A mãe de Volódia Pravik pedia a Deus o tempo todo: “Leve-me, que é melhor”.

O professor americano, doutor Gale... Foi ele que fez a cirurgia de transplante de medula... Consolava-me: há esperança. Pequena, mas há. Organismo tão poderoso, um rapaz tão forte! Convocaram todos os parentes dele. Duas irmãos vieram da Bielorrússia, o irmão de Leningrado, servia ali. A mais nova, Natacha, tinha quatorze anos, chorava muito e estava assustada. Mas a medula dela é a que serviu melhor... Eu já posso contar sobre isso... Não conseguia antes. Fiquei dez anos calada... Dez anos...

Quando ele soube que vão retirar a medula da sua irmãzinha mais nova, recusou-se de forma definitiva: “Prefiro morrer. Não toquem nela, ela é pequena”. A irmã mais velha, Liúda, tinha vinte e oito anos, ela própria enfermeira, estava ciente do que iria enfrentar. “Basta que ele viva”, - dizia ela. Eu vi a cirurgia. Estavam deitados um do lado do outro nas mesas... Lá tinha uma grande janela na sala de cirurgia. A cirurgia durou duas horas... Quando terminaram, Liúda estava pior do que ele, dezoito punções, recuperava-se com dificuldade da anestesia. Está doente até agora, inválida... Era uma jovem bonita, forte. Não se casou... E eu então corria de uma sala a outra, dele até ela. Ele já não estava no quarto normal, mas numa câmara especial, atrás de plástico transparente, onde não era permitido entrar. Lá tem uns equipamentos especiais para, sem entrar dentro do plástico, fazer injeções ou colocar cateteres... Mas tudo tem velcro, tem fecho, e eu aprendi a usar... Afastar... E esgueirar-me até ele... Ao lado da cama dele, havia uma cadeirinha... Ele estava tão mal que eu já não podia me afastar, nem por um instante. Me chamava o tempo todo: “Liússia, cadê você? Liússenka!” Chamava, chamava... Outras câmaras onde estavam os nossos rapazes eram cuidadas por soldados, porque os enfermeiros civis recusaram-se, exigiam roupas protetoras. Os soldados trocava as fraldas. Lavavam o chão, trocavam as roupas de cama... Cuidavam de tudo. De onde apareceram os soldados? Não perguntei... Só ele... Ele... E todo dia ouço: morreu, morreu... Morreu Tichiura. Morreu Titenok. Morreu... Como marteladas na cabeça...
Parte 1
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Parte 3
Parte 4
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