Monólogo da esposa de um bombeiro de Chernobyl 5  

Posted by Moriel in ,

Vieram todos... Pais dele, meus pais... Compraram xales negros em Moscou... Uma comissão especial nos recebeu. E falava a mesma coisa a todos, que não podemos lhes entregar os corpos de seus maridos, seus filhos, eles são muito radioativos e serão sepultados no cemitério de Moscou de forma adequada. Em caixões de zinco soldados, sob placas de cimento. E vocês devem assinar este documento... É necessária a sua autorização... Se alguém indignava-se, queria levar o caixão para a terra natal, convenciam, argumentavam que eles são meio que heróis e não pertencem mais a família. São agora homens de estado... Pertencem ao estado.

Entramos no ônibus... Parentes e uns militares. Coronel com rádio... Dizem pelo rádio: “Espere nossas ordens! Espere!” Rodamos por Moscou por duas ou três horas, pelo anel viário. Voltamos a Moscou... Pelo rádio: “Não permitimos a entrada no cemitério. O cemitério está cercado de repórteres estrangeiros. Esperem mais”. Os pais estão calados... O xale da mãe é negro... Eu sinto que estou desmaiando. Estou histérica: “Porque precisamos esconder meu marido? Quem é ele? Assassino? Criminoso? Bandido? Quem estamos enterrando?” Mamãe: “Calma, calma, filhinha”. Passa a mão na minha cabeça, segura pela mão. O coronel transmite: “Permitam seguir para o cemitério. A esposa está histérica”. No cemitério, fomos cercados de soldados. Seguimos sob vigilância. E o caixão foi carregado sob vigilância. Não deixaram ninguém despedir-se... Só os parentes... Enterraram em um instante. “Rápido! Rápido!” - ordenava o oficial. Não deixaram nem abraçar o caixão.

E de volta aos ônibus...

Em um instante, compraram e trouxeram passagens de volta... Para o dia seguinte... O tempo todo, um homem em traje civil, mas com jeito de militar, estava conosco, não deixou nem mesmo sair do hotel e comprar comida para a viagem. Para que não falássemos com ninguém, especialmente eu. Como se eu pudesse falar então, eu já não conseguia nem chorar. A administradora, quando nos saíamos, contou todas as toalhas, todos os lençóis... E ali mesmo os guardava num saco plástico. Creio que os queimaram... Nos mesmos pagamos pelo hotel... Por quatorze dias...

Hospital de doença radiológica aguda – quatorze dias... Em quatorze dias, uma pessoa morre...

Em casa, adormeci. Cheguei em casa e desabei sobre a cama. Dormi por três dias... Não conseguiam me acordar... Veio a ambulância. “Não, - disse o médico, - ela não morreu. Ela vai acordar. É só um pesadelo”.

Eu tinha vinte e três anos...

Eu lembro do sonho... A minha avó falecida aparece para mim, na roupa com que a havíamos enterrado. E arruma uma árvore de natal. “Vovó, porque a árvore de natal? Não é verão agora?” - “É necessário. Seu Vássenka vai me visitar em breve”. E ele cresceu no meio da floresta. Eu lembro... Segundo sonho... Vássia vem todo de branco e chama a Natacha. Nossa menina, que ainda não nasceu. Ela já é grande, e eu me surpreendo: quando é que ela cresceu tanto? Ele a joga para o alto, e eles riem... E eu olho para eles e penso que a felicidade é tão simples. Tão simples! E depois eu sonhei... Estamos andando na água com ele. Andamos por muito tempo... Pediu, provavelmente, para que eu não chorasse. Deu um sinal de lá. Do alto.

Dois meses depois, fui a Moscou. Da estação, para o cemitério. Até ele! E lá no cemitério, as contrações começaram. Mal comecei a falar com ele... Chamaram a ambulância. Eu passei o endereço. O parto foi lá mesmo... Com a mesma Angelina Vassílievna Guskova... Ela ainda então havia me avisado: “Vai dar à luz aqui”. E para onde mais eu iria? Foi duas semanas antes do prazo...

Mostraram-me... Menina... “Natáchenka, - chamei eu. - Papai te chamou de Natáchenka”. Criança de aparência saudável. Pezinhos, bracinhos... E ela tinha cirrose... No fígado, vinte e oito roentgen... Problemas cardíacos inatos... Quatro horas depois, disseram que a menina morreu. E novamente, não vamos entregá-la para você! Como assim não vão?! Sou eu que não vou entregá-la para vocês! Vocês querem levá-la para a ciência, e eu odeio a sua ciência! Odeio! Ela me tomou primeiro ele, e agora ainda espera... Não entregarei! Vou enterrá-la eu mesma. Do lado dele...

Não são as palavras certas que estou dizendo... Não são... Não posso gritar depois do derrame. E não posso chorar. Mas eu quero... Quero que saibam... Não confessei a ninguém ainda... Quando eu não lhes entreguei a minha pequena menina. Nossa menina... Então eles me trouxeram uma caixinha de madeira: “Ela está dentro”. Eu olhei: vestiram-na. Estava com as roupinhas. E então eu comecei a chorar: “Coloquem do lado dele. Digam que é a nossa Natáchenka”.

Ali, no túmulo, não está escrito: Natacha Ignatenko... Lá só tem o nome dele... E ela ainda não tinha nome, não tinha nada... Só a alma... Foi a alma que enterrei ali...

Venho sempre com dois buquês: um para ele, o segundo eu coloco no cantinho para ela. Me arrasto de joelhos na frente do túmulo... Sempre de joelhos... Eu a matei... Eu... Ela... Salvou... Minha menina me salvou, tomou para si toda a radiação, como se fosse um receptor. Tão pequena. Pequenininha. Ela salvou-me... Mas eu amava ambos... Será... Será que é possível matar com amor? Tamanho amor!! Porque são tão próximos? Amor e morte. Estão sempre juntos. Quem poderia me explicar? Me arrasto de joelhos na frente do túmulo...
Parte 1
Parte 2
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Parte 4
Parte 5

This entry was posted at terça-feira, abril 26, 2011 and is filed under , . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

1 comments

Anônimo  

Sensacional... e tudo realmente aconteceu

12 de setembro de 2013 às 06:14

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